quarta-feira, 6 de março de 2013

Corredores

Reciclando um texto antigo, mas que não perde nunca o significado.


Corredores. Eles vêm de toda parte e deixam mais colorida e ruidosa qualquer paisagem. São tão diferentes, mas ao mesmo tempo, tão parecidos, que precisam até de um número no peito que os identifique, para que não pensem que se trata da mesma pessoa.
Corredores. Eles não se importam de despertar antes do nascer do dia. Mesmo aqueles que já fazem isso todos os dias. Mesmo que isso não lhes garanta o pão de cada dia. Mesmo que o preço de correr torne a mesa menos farta.
Corredores. Eles são médicos, advogados, empresários, operários, lavradores, gente nobre ou muito humilde, letrada ou braçal. Mas, enquanto correm, nada disso importa. São apenas corredores.
Corredores. Eles correm por saúde, por prazer e diversão ou pela glória. Suas vitórias ou derrotas serão conhecidas pelo mundo inteiro, ou serão apenas lembranças pessoais. Mas eles correm, não importa o que diga ou ache quem não corre.
Corredores. Eles são homens, são mulheres, são jovens de todas as idades. São magérrimos, são atléticos ou estão total e visivelmente fora de forma. O correr lhes é mais fácil e natural ou contraria a aerodinâmica e a lógica. Suas passadas, perfeitas ou curtas e trôpegas, os levam adiante.
Corredores. Eles não têm outro assunto. E são capazes de conversar por horas a fio sobre ele. Talvez não tivessem nada em comum, se não fossem corredores. Mas são. E têm tudo.
Corredores. Eles têm um linguajar todo próprio. Dizem palavras incompreensíveis para quem não é do métier. Têm os seus heróis próprios e não acreditam quando alguém diz que não os conhece.
Corredores. Eles vivem se perguntando o que estão fazendo ali. Juram que nunca mais tantas vezes e nunca cumprem o que prometem. Terminam exaustos, mas cinco minutos depois, poderiam correr novamente. Mal voltam às suas casas e já estão se inscrevendo para a próxima corrida.
Corredores. Eles vivem na corda bamba, andam no fio da navalha. Riem à toa e choram ainda mais. Vibram como se aquela fração de segundo a menos representasse a eternidade. Têm números tatuados na mente. Querem sempre vencer os adversários, sejam eles reais ou imaginários.
Corredores. Eles são vaidosos e chamativos. Ou passam quase despercebidos. Carregam mais penduricalhos que uma árvore de Natal ou são minimalistas, despojados, têm até os pés descalços. Correm como gostam e porque gostam, e ninguém tem nada com isso.
Corredores. Eles têm corações fortes. Suas mentes são tranquilas. Seus corpos são frágeis, mas sua vontade é de ferro. Suas almas são guerreiras.
Corredores. A linha de chegada é só o começo. Eles querem muito mais. Eles são corredores.

6 comentários:

  1. Belo texto Fábio.
    Eu me vi em tudo. E sim, queremos muito mais do que apenas a linha de chegada!

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    1. Obrigado, Luiz!

      A melhor corrida é sempre a próxima.

      Abraço e bons treinos.

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  2. me identifiquei total:)
    um retrato dessa bando singular que formamos:)

    texto muito bacana!

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